ELTON BRUM VIVE, A LUTA CONTINUA

Assentados do Madre Terra e do Cristo Rei marcham pelas ruas de São Gabriel. Foto: Tânia Maria de Bastiani

Quarta-feira, 21 de agosto, foi o dia que marcou quatro anos da morte de Elton Brum, assassinado pela Brigada Militar por uma espingarda calibre 12, usada de maneira truculenta contra o grupo de sem-terra que ocupava a Fazenda Southall, na cidade de São Gabriel. A fazenda possuía área de 13 mil hectares e estava com uma dívida de R$ 50 milhões com os cofres públicos. A posse poderia ser transferida de uma pessoa, Alfredo Southall, para cerca de 600 famílias. Quando da morte do colono, a polícia e os trabalhadores do hospital se negavam a dar informações, dizendo que havia sido um mal súbito, mas depois o soldado Alexandre Curto dos Santos viria a confessar o disparo.

Quatro anos depois, no mesmo dia 21 de agosto, também em São Gabriel, pessoas dos assentamentos Madre Terra e Cristo Rei foram para a rua com a faixa que dizia “Agronegócio mata, Elton Brum vive”, em memória daquele que foi morto injusta e cruelmente, e contra o agronegócio que é valorizado pela política nacional em detrimento do pequeno agricultor e da reforma agrária. Os assentados reforçaram as reivindicações que, há quatro anos, seguem sem ser atendidas e são pauta recorrente das solicitações feitas ao promotor do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (MPE). As reivindicações não foram novas, mas resgataram as dificuldades em que ainda se encontram grande parte dos assentados da Southall: falta água tratada, falta luz, faltam estradas, falta acesso à saúde e à educação, e falta o incentivo financeiro necessário para que possam produzir com autonomia.

Em julho, quando também faziam um ato em São Gabriel, os assentados mostraram a água salobra e enlameada que precisavam ferver para consumir. O acesso à água tratada, que deveria ser garantido pelo programa nacional  “Água para todos” , segue sem previsões concretas e eles continuam tendo que buscar água não tratada a longas distâncias do jeito de cada um, seja de carroça, caminhonete, a pé.

Na seca do ano passado tivemos que cavar buracos nos campos para podermos matar a sede de nossas famílias, ou então procurar a longas distancias sangas e barragens compartilhando da mesma água com todos os tipos de animais

Fachada do prédio do INCRA, em São Gabriel. Foto: Tânia Maria de Bastiani

Nos assentamentos Madre Terra e Cristo Rei, a previsão é de que as escolas em construção nos assentamentos ainda levem de duas semanas a um mês para estarem concluídas. Quando as obras terminarem, as crianças serão transferidas, com a reivindicação dos assentados de que as aulas comecem ainda nesse semestre e de que a administração e gestão escolar sejam responsabilidade por parte da rede estadual de educação.

Mesmo após notificação, em reunião de julho deste ano, de que o transporte escolar não estava mais chegando até os assentamentos, a situação ainda não se resolveu. As crianças novamente são obrigadas a caminhar quilômetros até o ônibus, tendo que acordar às 3h30min para chegar ao transporte às 6h.

O transporte escolar, enquanto as escolas locais não são providenciadas para os assentamentos mais distantes e isolados, é de responsabilidade da prefeitura municipal de São Gabriel, e já havia sido garantido depois das manifestações do Abril Vermelho. Entretanto, com a deterioração da estrada de chão batido, a justificativa da administração municipal é de que os ônibus não conseguem mais chegar aos locais mais isolados.

Segundo os assentados, a Prefeitura Municipal de São Gabriel conta agora com dois novos ônibus, os quais deverão ser citados pelo promotor para que a Prefeitura comprometa-se a resolver a questão. Na reunião do dia 21 de agosto, o promotor do MPE prometeu que já na segunda-feira, dia 26, algumas máquinas serão enviadas ao Madre Terra para concerto imediato das estradas do trajeto do ônibus escolar.

Há também os velhos problemas com a falta de estrutura elétrica no local. Os assentados culpabilizam a inoperância por parte da AES Sul – empresa concessionária responsável pela prestação do serviço – em resolver a situação. Está programada para o dia 3 de setembro uma reunião, onde a empresa deverá se apresentar para dar início às obras de infraestrutura e instalação.

Nesse contexto de precariedade total criam-se todas as condições para que nenhum jovem permaneça no campo.

Foto: Tânia Maria de Bastiani

Com a inoperância de tão diversas instâncias do poder público, os assentados acabam dirigindo-se ao MPE com uma lista de pautas que vai da administração municipal ao governo federal. No caso deste último, reivindicam os créditos de fomento à Reforma Agrária, que deveriam ser recebidos pelos assentados para financiarem sua produção. Esse crédito estava dividido em três parcelas; a primeira foi recebida por alguns, e a segunda e terceira parcelas seriam recebidas de uma só vez. Essa única parcela, no entanto, ainda não foi paga pelo Governo federal, comprometendo a capacidade produtiva dos assentados e o próprio funcionamento do programa de Reforma Agrária.

Diante disso tudo temos a plena certeza que para o agronegócio,  para o latifúndio, e para todos os peixes grandes da agricultura isso não funciona bem assim, pois somente em 2012 o governo federal destinou aproximadamente 100 bilhões de reais para empresários e latifundiários.

A construção das estradas, que ainda continuam em processo lento, são responsabilidade da Secretaria de Obras do RS. Tem-se uma previsão de quatro meses para o começo das obras, após a finalização do processo de licitação aberto em julho. No Madre Terra, por exemplo, muitos são produtores de leite, e é para escoar essa produção que as estradas são primordiais. Além disso, é por meio delas que se tem acesso aos serviços básicos de saúde e educação.

As estradas internas de chão batido precisam ser retocadas. Segundo Tiago Galsoler, do assentamento Madre Terra, a postura as autoridades nas reuniões em que são feitas as reivindicações é contraditória: “Faz três anos que eles falam a mesma coisa na reunião, que está tudo resolvido, mas na prática não é isso que acontece. Falaram que colocaram 22 cargas de pedra nas estradas, mas na verdade, só vimos três”.

Fomos jogadas num projeto de assentamento a 80 km da cidade, sem nenhuma estrutura, sem água, sem luz, sem nenhum auxilio médico, sem estradas, e aqui fomos esquecidas.

Foto: Tânia Maria de Bastiani

A falta de acesso a direitos básicos acaba, dia após dia, com a dignidade de dezenas de famílias assentadas. Por vezes, as consequências do descaso cotidiano acabam por ser trágicas e imediatas, como foi o caso da morte da assentada Salete de Oliveira, mãe de cinco filhos. A agricultora – cujo marido, a exemplo de muitos assentados que não conseguem viver da terra pela falta de infraestrutura e incentivos, trabalhava colhendo maçãs em outras propriedades – teve um acidente vascular cerebral quando buscava água para sua família, a cerca de 500 metros de casa, no dia 11 de julho.

Com a falta de serviços de saúde próximos e sem atendimento de ambulâncias, Salete teve que ser levada no carro de um vizinho até o hospital da cidade de São Gabriel, a cerca de 90 km do assentamento. O veículo atolou duas vezes, em função da falta de estradas e das más condições do acesso provisório, e o socorro foi interrompido para que, a pé, fosse encontrado um trator para desatolar o carro. Dona Salete, como era conhecida, chegou ao hospital, mas faleceu três dias depois.

Foto: Tânia Maria de Bastiani

Salete passa a ser mais um rosto ao lado do de Elton Brum. Não morreu por um tiro covarde, mas sim pelas circunstâncias em que são postos por desejarem viver dignamente. Além das terras, necessitam de estrutura básica para cultivar o campo. Como morar sem luz? Como não ter uma água potável? Como não poder ir e vir? É pelo básico que os moradores dos assentamentos se reúnem e, mais importante hoje, para cultivar a memória de um crime que representa a luta feroz que o próprio homem propõe ao homem. Nessa memória, Elton Brum vive.

Clique aqui para ler o texto apresentado apresentada pelas famílias dos Assentamentos Madre Terra e Cristo Rei na reunião com o Ministério Público Estadual (MPE). O texto, do qual foram retiradas as passagens citadas na matéria acima, retrata a situação de descaso que os assentados vêm enfrentado e apresenta, ao fim, a pauta de reivindicações entregue ao promotor.

Clique aqui para ler o texto “DESCASO DOS GOVERNOS COM A REFORMA AGRÁRIA MATA ASSENTADA EM SÃO GABRIEL“, também entregue pelas famílias dos assentados denunciando as circunstâncias que contribuíram para a morte da camponesa Salete de Oliveira.

ELTON BRUM VIVE, A LUTA CONTINUA, pelo viés de Caren Rhoden, Nathália  Costa e Tiago Miotto.

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