Sobre picho, ética e moral

Fonte: Flickr/Juan Antonio Capó Alonso

Um caso recente em Pelotas tem movimentado as redes sociais e os ânimos dxs pelotenses. Além disso, dividiu opiniões sobre ativismo, pichação, ética e moral. O que se percebe disso é que um consenso sobre uma sociedade ideal está longe de ser alcançado.

A Igreja Catedral, uma igreja católica localizada no centro da cidade, foi pichada na última semana com frases como “Se o Papa fosse mulher, o aborto seria legal” e “Direito ao aborto”. O ato gerou comoção em alguns cidadãos. Esses, que se intitulam “cidadãos que exercem seus deveres”, fizeram um mutirão para retirar as frases. Uma foto mostra, de maneira simbólica, o quanto alguns homens se esforçam para tirar das mulheres o que deve ser decidido somente por elas.

Aquilo que deveria ser discutido com atenção pela sociedade foi esquecido, e os olhares se voltaram à construção de uma religião que defende o não direito da mulher de decidir sobre seu próprio corpo. O catolicismo criminaliza o aborto pelo direito à vida e a grande contradição possivelmente despercebida pela população que defende esse discurso é que milhares de mulheres morrem por ano ao abortar ilegalmente. Isto é, a falta de assistência médica acarreta em um procedimento perigoso ao qual as mulheres se submetem. Para além disso, é preciso reforçar que as diferenças entre classes também é uma discussão a ser feita. As mulheres ricas abortam em clínicas clandestinas que lhes oferecem segurança, enquanto que as mulheres pobres e, principalmente, as mulheres negras, fazem um procedimento inseguro que, muitas vezes, lhes custa a vida. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a cada dois dias uma mulher morre em decorrência do aborto inseguro.

Uma pesquisa feita na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), aponta que aproximadamente 865 mil brasileiras fizeram aborto em 2013. A realidade posta é que as mulheres fazem aborto. Continuarão fazendo aborto sendo legal ou ilegal. A defesa pela legalização é para que as mulheres não morram por isso e para que elas tenham o direito à decisão sobre seus próprios corpos.

Certa vez, debatendo sobre isso com alguns amigos, um deles afirmou que se o aborto fosse legalizado o número aumentaria. Esse argumento não é uma exceção sobre o que as pessoas dizem. Geralmente, é isso o que as pessoas falam. E daí se percebe a necessidade de espaços para esclarecer às pessoas qual é a defesa que muitas mulheres fazem no mundo inteiro sobre tal tema.

Dizer que as mulheres abortariam muito mais por ser permitido é desconsiderar que há, junto com o processo de decidir abortar, uma violência psicológica e também uma violência física que maltrata o corpo. Não é algo simples de fazer e provavelmente as mulheres sofram muito com todo o processo. Digo provavelmente, pois, nunca tive que fazer essa escolha, portanto, não sei o que abortar significa, apenas suponho. Podem existir outras questões por trás da decisão que não diz respeito à crença alguma. É sobre saúde pública e a autonomia ao corpo.

O debate sobre os direitos das mulheres é extenso. São diversas outras pautas, outras situações, outros debates que a sociedade, infelizmente, ainda não está preparada para fazer. Por isso, qualquer atitude fora dos padrões parece uma afronta à ética e à moral. Grupos progressistas aceitam a transformação das relações sociais, políticas e econômicas. Elas não são estáveis, mas há um número significativo de pessoas que querem que elas sejam e, por isso, mantém discursos ultrapassados e resistem a repensar e observar as mudanças inevitáveis da sociedade.

Em 2013, 150 mil mulheres foram estupradas. Todo o dia mulheres morrem por aborto inseguro. Todos os dias as mulheres sofrem assédio moral no trabalho e são violentadas fisicamente por seus “parceiros”. As mulheres não estão na lista dos “melhores escritores do ano”, nem de quaisquer outros grandes feitos. Quando algo é gritante, está exorbitante dentro dos dados e das estatísticas e não podemos cair na superficialidade de dizer que são coincidências. Não são. Para toda causa, há consequências. O que as mulheres sofrem é consequência, por isso, é preciso encontrar a causa e enfrentá-la. Um picho na parede não deveria ser o foco de atenção, mas o que está contido nele, o que ele significa.

Não quero discutir sobre a validade do picho em uma construção, quero protestar. Particularmente, a minha defesa é de que o picho é manifestação também. É uma das formas de tentar dialogar com a população sobre as barbáries do mundo. Sobre as contradições muitas vezes implícitas. Sobre as injustiças muitas vezes impostas. É poesia, é diálogo, é protesto, é reflexo de um mundo que silencia vozes e então se tornam as paredes fonte para gritos contidos.

SOBRE PICHO, ÉTICA E MORAL, pelo viés da redatora Maiara Marinho.

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