JORGE ALTAMIRA: A EUROPA ESTÁ SE LATINOAMERICANIZANDO

Quando se pensa em um candidato a presidente logo vem à cabeça boas roupas, cabelos penteados e discurso afinado. Mas, abrindo-se o espectro à esquerda, o que se vê é uma mudança de postura. Saem as aparências rígidas, dá-se espaço para uma posição mais natural. Foi assim com o candidato Plínio de Arruda Sampaio, em 2010, no Brasil – o único dentre os candidatos socialistas à presidência que obteve espaço nos debates e reportagens dos grandes meios de comunicação. Na Argentina, em 2011, foi Jorge Altamira quem aproveitou as brechas do sistema para fazer aquilo de que se orgulha ter sido acusado durante seu mandato de legislador em Buenos Aires: subversão.

Argentino de Buenos Aires, Jorge Altamira foi candidato a presidente por várias vezes, a última vez no ano passado pela “Frente de Esquerda e dos Trabalhadores”. Antes disso, colocou a vida inteira a serviço da militância socialista, de corrente trotskista e revolucionária – chegando aos 70 anos, dedicou 55 deles à militância.

Exerceu por um mandato o cargo de legislador (comparado ao cargo de vereador) da capital argentina, Buenos Aires, entre os anos de 2000 a 2003, justamente os anos mais conturbados para a economia argentina nos últimos tempos, naquilo que se convencionou chamar de “crise argentina”.

Altamira é jornalista, autor de diversos livros e editor do semanário Prensa Obrera, publicação do Partido Obrero, do qual é dirigente e fundador. No final de março, esteve no Brasil para algumas palestras, entre elas a que professou em Santa Maria, na Seção Sindical dos Docentes da UFSM (SEDUFSM) sobre o tema “Grã-Bretanha e Argentina, imersas na crise mundial. Desafio para os trabalhadores da América Latina”, parte do 51º Cultura na SEDUFSM,  que se dedicou especialmente à Guerra das Malvinas e suas consequências trinta anos depois.

Na ocasião, concedeu uma entrevista à revista o Viés e ao estudante de Jornalismo Iuri Müller, na qual falou sobre liberdade de imprensa, jornalismo independente, a complexa relação com o peronismo na Argentina, imperialismo na América Latina e as perspectivas de luta da classe trabalhadora.

  O senhor é jornalista e editor de uma revista…

Jorge Altamira: Sim, da Prensa Obrera.

Na Argentina, existe a questão do controle social do papel do jornal pelo governo Kirchner. Aqui no Brasil, chegam dois lados dessa questão: o lado dos empresários, do Clarín, do La Nación, que dizem que é uma forma de cerceamento da liberdade de imprensa, e a defesa do governo, que diz que é uma forma de democratizar o papel e a possibilidade de outros veículos de comunicação da Argentina. Gostaria de saber a sua opinião, tratando-se de alguém que não está em nenhum dos dois lados…

J. A.: É muito fácil. A imprensa em todo o mundo é um monopólio capitalista, não existe liberdade de imprensa. Isso, para nós, há empresários que dizem: se controlam o papel, não há liberdade de imprensa. Não, não há liberdade de imprensa, ela não existe. Vejam o seguinte: há um mês, pela primeira vez na minha vida, o Clarín publicou um artigo meu. Nunca havia publicado, em toda a minha vida. E eu já fui deputado. Publicaram desta vez por quê? Por causa da Frente de Esquerda, porque fui candidato a presidente, e essa é uma demonstração do impacto da campanha. Mas o importante é que é a primeira vez. E sem contar a manipulação da imprensa, que por parte dos grupos privados é múltipla. Eu poderia falar uma hora de todas as formas que têm essa manipulação, mas não tem sentido que eu o faça.

O governo está apoiado por outros grupos privados, cuja competência é fazer a concorrência contra o Clarín e o La Nación. E a ajuda do governo exerce uma influência [de modo] que a liberdade de imprensa é pior ainda que nos [meios] privados, porque o privado exerce um monopólio, em primeiro lugar, comercial: orienta as coisas em função do benefício econômico e paralelamente busca estabelecer um paradigma ideológico. O Estado é pura ideologia, então, às vezes, é pior que o privado para os socialistas, porque o Estado é inimigo dos socialistas, tem o monopólio ideológico e, portanto, nunca vai dar lugar à possibilidade de que os socialistas se expressem. E como se manifesta isso? Nunca estive em um programa governista, e nunca em um jornal governista. Nunca. Então, por que eu apoiaria a liberdade de imprensa que me indica o governismo, que argumenta com a declaração do papel como um serviço público, se nós somos testemunhas vivas de que com eles não há nenhuma liberdade de expressão?

Então, há que se abolir esse monopólio capitalista dos meios de comunicação, e também abolir o monopólio estatal dos meios de comunicação. A imprensa deve ser controlada pelos grupos que tenham capacidade de produzir jornalismo. E eles todos têm que dispor do papel necessário ou da divisão dos programas de televisão e rádio, segundo a influência política de cada um. Pode não ser para partidos políticos, eu aceito que a Frente de Esquerda ganhe 5% dos espaços. Mas tem que haver [espaço] para os sindicatos, para as organizações culturais e para as universidades, mas também conforme a influência ideológica, pois em um sindicato em que a burocracia sindical teve 30% dos votos, na programação desse sindicato terão 30% dos espaços, e nós, se tivermos 10% [dos votos], também teremos 10% de espaço. Entendem? Não é para entregar esses meios de comunicação à burocracia, é ao sindicato, com respeito a pluralidade. Então, essa é uma discussão que já ficou clara, são interesses de grupos econômicos e o governo gasta muito dinheiro para sustentar economicamente os jornais governistas.

Ainda falando sobre o jornalismo na Argentina, o país ficou famoso há décadas pela atuação de jornalistas independentes, como no caso do Rodolfo Walsh, que durante a ditadura escreveu livros-reportagem sobre o assunto e acabou fuzilado pela ditadura nos anos 70. Hoje, o senhor, que é jornalista, ainda vê alguma força no jornalismo independente argentino?

J. A.: O que ocorre é o seguinte: Rodolfo Walsh fez um jornalismo que está muito vinculado a um setor dos movimentos sindicais peronistas que estavam nascendo, e que eram da esquerda do peronismo. E ele trabalhou muito bem. Para que novamente apareça um jornalismo como o de Walsh tem que haver vitórias importantes do movimento operário, conquistas dos sindicatos, por parte de agrupamentos anti-burocráticos, classistas.

Eles começariam certamente a desenvolver uma imprensa própria, isso seria muito significativo por que essa é uma forma de luta contra o monopólio capitalista da imprensa, que é uma luta muito importante. Porque antes de falarmos sobre o problema do monopólio capitalista da imprensa, o mais importante é que os trabalhadores desenvolvam sua imprensa. E não porque essa imprensa vai ter uma difusão maior do que a do monopólio capitalista, mas porque vai provocar uma revolução cultural e ideológica na classe trabalhadora. Quer dizer que a classe trabalhadora vai lutar não só por salário, melhorias etc., mas pela influência ideológica na sociedade. Então, quando isso ocorrer, não importa se o Clarín vende 500 mil exemplares e o jornal operário vende 15 mil. O importante é que os trabalhadores estão desenvolvendo uma imprensa própria e portanto estão veiculando ideias políticas.

O peronismo ainda exerce uma influência muito grande na Argentina. Sendo um socialista revolucionário, como é ter que combater sistematicamente o peronismo em todas as suas formas…

J. A.: Bom, tenho que corrigir uma coisa muito importante, fundamental. Se não se corrige isso, não dá para entender. Vejam o seguinte: você vem de uma família. A família tem crianças, com o tempo, vinte ou trinta anos,  essas crianças se tornam adultos e têm filhos. Você diria que a família é a família? Aparentemente sim, tem sobrenome, mas a mudança é enorme. As crianças começam a tomar conta dos filhos e até dos pais que antes tomavam conta deles. Então se fala “peronismo”, “o povo é peronista”. O peronismo mudou um milhão de vezes desde que ele nasceu, e foi a expressão das mais diferentes tendências. Um exemplo típico é o caso da guerrilha, que combateu na luta armada contra a direita peronista. Quer dizer, você tem uma guerra civil de peronistas. Se fala “a grande influência do peronismo”. Qual peronismo? O de esquerda ou de direita? Os dois são peronistas.

Então, em uma guerra civil, qual era a influência do peronismo? Nenhuma. Temos que discutir a influência do peronismo de direita ou a influência do peronismo de esquerda. Acontece que isso não é só uma característica da América Latina, é uma característica da história política mundial: existem movimentos nacionais onde se desenvolvem as pressões de todas as classes sociais, e as lideranças desses movimentos procuram que isso continue. E às vezes há viradas à esquerda, viradas à direita, tem rachas, mas a ideia fundamental é procurar que as classes que constituem a nação não se confrontem com posições independentes. Que não exista um partido operário contra um partido burguês. Então, você tem esse modelo. A Inglaterra é um país clássico: a Inglaterra tem um partido conservador e um partido trabalhista. A burguesia está com os conservadores, e os operários, a princípio, com os trabalhistas. Então, você tem mudanças nas votações, por que houve uma evolução enorme. Mas se estabeleceu um modelo com um partido de um lado, que lá falam “labour” [em referência ao labour party], quer dizer, o dos sindicatos. E do outro o dos conservadores, quer dizer, eles reconhecem que são conservadores, etc.

E tem o caso americano. Que é diferente. Tem o partido democrata que procura ser democrata, procura ser uma representação para todas as classes sociais. E a esquerda americana e os sindicatos americanos procuram influenciar no partido democrata. Isso explica dizer que não tem se produzido uma diferenciação política nas classes sociais. Nos países pobres, porque a classe operária não conseguiu desenvolver uma entidade poderosa. Nos países muito ricos, porque essa riqueza fez perder a consciência de classe do operariado, que acha que está bem, que isso e aquilo, e mantém as desigualdades.

Tudo isso é uma característica da Argentina. Não é uma característica que tem Chávez ou que tem Correa (Rafael, Equador), e antes de Chávez (Hugo, Venezuela), na mesma Venezuela, tinha esse partido ação democrática, os sindicatos, todo mundo. Só no Chile e no Uruguai se desenvolveram dois partidos operários, o partido comunista e o partido socialista, frente aos partidos da burguesia. Mas a luta política [argentina] se desenvolve com bandeiras peronistas, todo mundo diz que é peronista e etc.

Neste momento, o kirchnerismo fala pouco de peronismo. Porque o peronismo, os velhos quadros peronistas, não estão com o kirchnerismo. Então aparece a “Frente pela Vitória”, esse é o nome oficial, eleitoral, do governo. Por que não usar partido peronista?

Além disso, a esquerda [peronista] tem uma influência muito grande na classe operária, em particular nas lutas sindicais e, no momento, nas lutas políticas. Agora, a esquerda não tem entendido que ela existe para derrubar o peronismo em influência política. E então, é muito comum que procure alianças, procure não incomodar o peronismo, falam o seguinte “ah, se eu falar mal do peronismo os operários peronistas vão me rejeitar”. Tudo começa por uma rejeição. Não é? Os bebês nascem e saem da mãe, sem uma separação esse bebê não existe. Quer dizer, tem que pagar o preço.

E a partir daí a gente fica isolado, um tempinho, e começa a desenvolver a sua própria capacidade de ação. O peronismo hoje não é nada não, é uma quimera. Quando a gente vê que todo mundo é peronista quer dizer que ninguém é peronista. E não estou falando dos operários. E sim de todo o aparato do peronismo, que está dividida em quantas frações diferentes, 14, 15, duas vão com chapa própria nas eleições. O que isso deve significar? Que é uma inteléquia, uma crise, que vem ainda da época de Perón e Isabelita. E não tem uma solução geral, ou seja, temos que construir uma organização revolucionária por nossas condições.

Mas deu para entender? Que, por exemplo, a revolução na Inglaterra, só para entender o que estou dizendo: no séc. XVII, todo mundo participava com alguma ideia religiosa, parecia uma guerra “clerical”. Mas não era uma guerra clerical, eram camponeses que tinham um partido que falava em ideias religiosas e uma burguesia também. Tudo parecia uma guerra religiosa. E até era uma guerra religiosa. Mas não era uma guerra religiosa, era uma guerra pela propriedade fundiária na Inglaterra.

Falando ainda em peronismo, mas em outra época: quando da fundação do Partido Obrero, ainda como política obrera, naquela situação, e naquela época, como funcionava a disposição dos trabalhadores argentinos? Eram participantes de sindicatos peronistas e se sim, em sua maioria, lhes faltava uma alternativa como o Partido Obrero?

J. A.: Primeiro, os sindicatos são todos peronistas.


J. A.:
Mas isso não tem nenhum significado. Ou melhor, tem um significado importante. Mas não sob o ponto de vista que se examina hoje em dia . Em primeiro lugar porque os trabalhadores, em politica, votam como querem. Em segundo lugar porque nos sindicatos há muita luta de tendências contra a burocracia sindical. Em terceiro lugar, porque a palavra burocracia peronista confunde.  O que quer dizer burocracia peronista? Quer dizer que o partido peronista, no início da burocracia peronista, fazia o que prometia fazer? Não. Isso se chama burocracia peronista, porém, o peronismo quer dizer uma coisa e a burocracia quer dizer outra. Desde aquela época até hoje?

Esse termo é uma referência para regenerar, para justificar a sua dominação [da burocracia] nos sindicatos. Para dizer: “nós não somos uma burocracia permanente, mas somos um grande movimento que nasceu em 1945”. Então foi um salvo conduto para justificar qualquer coisa. Esse exame precisa ser feito, porque assim estamos na superfície, falando de peronismo, e as lutas políticas passam por outro lado, completamente pro outro lado. E na minha experiência política pessoal eu falo que nunca tive problemas de relacionamento com operários sejam eles peronistas ou não. Porque a etiqueta não diz o que tem dentro do frasco.

 

Com relação à esquerda na Argentina: em um discurso que o senhor fez, depois das eleições, o senhor falou que os maiores derrotados tinham sido os setores da esquerda que não tinham conseguido vislumbrar a opção revolucionária, anticapitalista, e que foram junto com os partidos patronais. O senhor considera que o Proyecto Sur está dentro dessa fração da esquerda? Comentando também uma declaração que o Pino Solanas deu para uma revista brasileira: “A esquerda argentina tradicional, como a direita argentina, depende das usinas ideológicas externas. O fenômeno da dependência intelectual é também o fenômeno da dependência psicológica”. Como o senhor caracterizaria essa esquerda tradicional argentina?

J. A.: A esquerda tradicional é o Partido Comunista. Ela que construiu [a esquerda], e o partido comunista nem existe mais. Está dividido em três, um setor está com o governo, outro setor com o Proyecto Sur… E não tem mais nada. Você não vai ver nada do partido comunista na Argentina… O partido comunista apoiou a ditadura. Isso foi um golpe muito grande… Porém, o resto do partido comunista argentino é espantoso e todo o argentino conhece.

Mas vamos por partes. Nenhum setor da esquerda, com exceção da gente, aponta uma saída revolucionária.  O problema político é o seguinte: uma esquerda que se encontra desmoralizada sustenta firmemente que a esquerda não pode ir às eleições de forma independente porque vai fracassar.     E que, portanto, temos que compreender é que estamos em uma etapa de dificuldades, e as lutas eleitorais tem que ser encaradas em agrupamentos mais amplos, com capacidade de atrair votos.  Então, noventa e nove por cento da esquerda fizeram isso nas eleições. Alguns foram com Kirchner, outros com Binner [Ernesto Binner, candidato pela Frente Amplio Progresista], outros com Pino Solanas…  Realmente admito que essas alianças são a única forma de conseguir posições parlamentares. E efetivamente, tem que se dizer que o partido comunista, em seu modo kirchnerista, tem um ou dois deputados. E uma esquerda, do sindicalismo, conseguiu dois com Binner. Os que foram com Solanas não conseguiram nada. Porém, por outro lado, conseguiu uma legislatura na capital.

Então o ataque a nós já não era somente por que somos anticapitalistas, ou revolucionários, mas porque aquilo era absurdo, éramos os doidos, os irrecuperáveis, que queriam uma campanha eleitoral com uma ideia de esquerda etc. E esse foi o golpe que sofreram. Porque hoje, na Argentina, se alguém fala na rua da “esquerda”, está falando da Frente de Esquerda.

Então eles, em poucos meses de campanha eleitoral, desapareceram ante aos olhos da opinião pública como sendo de esquerda. E nós aparecemos como “a única” esquerda. Eu andava pelas ruas e me diziam “Avante, Esquerda”. E eu pensava, “mas nós somos um por cento dos esquerdistas”. Não no sentido de militância, porque na militância a Frente de Esquerda tem 50 vezes mais militância, mas numericamente [se referindo ao número de filiados].

Sobre a dependência intelectual. Não é possível, em um mundo integrado, que não haja uma dependência intelectual, ideológica, política de nossos países a respeito da Europa. Mas tampouco Pino Solanas, que vive na Europa e que faz filmes como os europeus. E o peronismo tampouco. Por que as idéias do peronismo foram retiradas de Mussolini. Quer dizer, se há alguém que é dependente das idéias estrangeiras, são os movimentos nacionalistas. São aqueles que reivindicam a singularidade nacional. E por quê? Porque a característica ideológica do capitalismo é reivindicar a singularidade nacional. Sarkozy, presidente da França, os alemães… Então quer dizer, eles dizem reivindicar a singularidade argentina. Claro, eles não vão reivindicar a singularidade alemã na Argentina, e sim a argentina. Mas têm em comum com um alemão que reivindica a singularidade alemã na Alemanha. Então, quem tem mais dependência: os socialistas, que não reivindicam nenhuma singularidade, mas a união internacional dos trabalhadores ou a ele, que diante de um trabalhador armênio e um trabalhador argentino e da ideia de que tenham algo em comum não é capaz de desenvolver nem como artista do cinema, nem na imaginação? Porque pensa que é absurdo.

E eu vivi isso, eu estive, no ano de 2007, em Istambul. Me chamaram para ir a uma fábrica ocupada e eu fiz um discurso como se estivesse em uma fábrica na Argentina, e foi uma ovação. Foi uma ovação. Eu falava em castelhano e havia uma pessoa que traduzia para o turco, e consegui uma ovação. E percebi que não era uma ovação por que eu estava lá, por deferência. Não, depois fomos a uma tenda porque eles queriam discutir comigo como continuar aquela greve, porque eles acharam, pelo discurso, que eu sabia bastante sobre o movimento operario. E discutimos, fizemos um plano. E eu não podia acreditar que estaria na Turquia fazendo um plano de luta com operários turcos numa tenda (risos), porque era verão e o sol era terrível.

Então ele [Solanas] não tem essa percepção. Para ele é uma fantasia. É incrível como existe esse auto-engano. Por exemplo, o peronismo tem mudado para aqui, para lá, para a esquerda e a direita. Mas Menem, Menem era como Collor de Melo. E Collor de Melo foi um produto de [Margaret] Thatcher e de [Ronald] Reagan, do neoliberalismo. Mas qual é a origanlidade? Onde está a originalidade? Não há nenhuma originalidade. E não somos nós que não temos originalidade. O neoliberalismo não foi uma invenção de Reagan e de Tatcher. Quem inventou o neoliberalismo? Pinochet. Assim que no final descobrimos que o neoliberalismo foi inventado na América do Sul. E tanto é verdade, que as reformas antioperarias neste momento na Europa são cópias dos planos de flexibilidade trabalhista, de privatização que se experimentou na América do Sul.


Internamente, e fora do Brasil, tem se falado muito no imperialismo brasileiro na América Latina. O senhor, da Argentina, sente esse movimento?

J. A.: Eu estive em um congresso na Itália e eu disse para eles: mas vocês não percebem que a Itália está se latinoamericanizando? (risos) Porque tudo que está se falando nesse congresso eu vivi dez anos antes. E é exatamente essa expressão. Você aumenta o grau de exploração nos países da América do Sul e eles aparecem competindo no mercado mundial, com salários diminuídos. Então, aquele que está na Itália fala “ah, tem que diminuir aqui porque, senão, não posso competir com brasileiros”, essas coisas. Ou o caso dos chineses, dizem “não podemos competir com essa mão-de-obra barata, etc então aqui na Itália tem que diminuir”. Quer dizer, não é que os chineses vão subir, mas os italianos que vão ao patamar salarial da China.

Porque o imperialismo, o que é? O imperialismo é uma forma de organização do capitalismo. Não é que existe uma sociedade capitalista e outra imperialista. O imperialismo é um grau de desenvolvimento superior do próprio sistema capitalista. Então você tem que passar por um amadurecimento. Veja, a indústria brasileira está pedindo pelo amor de deus que fechem alguma fronteira para sobreviver. Nos Estados Unidos acontece também. Mas quem exporta para os Estados Unidos e prejudica os Estados Unidos? Uma companhia americana. Uma companhia americana na China vende para os Estados Unidos. Então o imperialismo é toda uma estrutura. Hoje, tem quem fale em subimperialismo. Tem momentos em que já os nomes não servem. Enfim, eu acho que o capital brasileiro ainda não está integrado nessa estrutura imperialista.J. A.: Sim. Mas não sei se é por que eu sou um torcedor do Brasil, mas eu jamais diria que o Brasil é imperialista. Quer dizer, pode ter rasgos de imperialismo. Mas o imperialismo não significa uma influência ideológica que você tem em outro país. É uma estrutura internacional. E então você tem o imperialismo e tem seus graus. Pode-se dizer que o Brasil é imperialista porque tem alguma influência na Bolívia, alguma influência no Peru. Por exemplo, a Odebrecht é importante, e outras empreiteiras que estão lá. Mas tem que ver para o governo. Porque tem que ver se essas empresas estão respaldadas pelo governo.

O senhor tem já alguma relação com o Brasil, inclusive já morou aqui nos anos setenta quando saiu da Argentina na época da ditadura. Também participou de alguns congressos do Partido dos Trabalhadores ainda nos anos da formação do partido. Recentemente o senhor qualificou o governo Dilma como muito agradável às empreiteiras e às construtoras e também às Forças Armadas. Quando que o senhor pensa que foi esse desvio na política do PT?

J. A.: O Partido dos Trabalhadores nunca foi revolucionário, mas abria uma perspectiva de organização da classe trabalhadora, então foi um passo positivo. E havia então que organizar  uma política revolucionária dentro do PT. Mas o conjunto da esquerda nessa experiência não interferiu no Partido dos Trabalhadores, congraçiando Lula com o monopólio político do Partido dos Trabalhadores, o que se mostraria fatal. É verdade que Lula era um líder, mas esse líder tinha que ser contestado. E se esse líder não é contestado o pessoal é afastado. Tem que se fazer uma luta política. Então, quem criou as condições foi a própria esquerda, que procurou conseguir representação. O mesmo que se fez na Argentina e em outros lugares, procuraram se esconder, ou se disfarçar.

Num dado momento, de conquistas de posições parlamentares, um partido oportunista entendeu que tinha que assumir todas as responsabilidades pelo que estava fazendo. Porque um partido oportunista é um partido que procura se acomodar com as situações. Já quando ele não se acomoda mais, mas passa a ter uma estratégia política capitalista, ja não é oportunista. É um agente politico ligado ao capital.

Vejam o que aconteceu: o ingresso nos Estados corrompeu os quadros, as tendências políticas, e com o PT não foi diferente. Mas eu vou contar para vocês duas histórias para esclarecer melhor. Vou começar pela mais próxima e depois conto a mais antiga. Bom, o Lula ganhou as eleições no ano de 2003… 2002, e assumiu em 2003. No ano de 2002, num congresso do PT, o Lula colocou abertamente o seguinte: vocês querem chegar ao governo? E ele pediu a todo mundo que respondesse se queriam chegar ao governo. E aí todo mundo respondeu que sim, que queriam. E Lula disse: “vão ter que engolir sapo”. E todo mundo respondeu: “ok, vamos engolir os sapos para chegar ao governo”.

Então, isso já é uma mudança profunda num partido, que já estava caminhando nessa direção. Aí ele [Lula] chegou a essa conclusão: bom, já estamos aqui. Ou damos um passo à frente, ou… o que pode acontecer? Vamos ter uma crise, por que um partido que é grande, importante, não pode se conformar como uma oposição eterna, senão os militantes, os quadros vão se afastar se ele não consegue avançar.

E aconteceu uma coisa interessante. No final dos anos 2000, O Fundo Monetário Internacional exigiu a Fernando Henrique Cardoso um acordo com a condição de ser firmado por todos os candidatos. E, pela primeira vez, agora aconteceu na Grécia também, pessoas que não eram ligadas ao governo assinaram um acordo com o FMI. Era o caso de Lula. Lula chegou ao governo com um acordo com o FMI debaixo do braço. Certo?

Bom, em 1993 eu assistia as convenções do PT, vim da Argentina e ia assistir as convenções. Num dado momento, que não tinha debate nem nada, tive a impressão de que não era um congresso normal, que havia alguma coisa especial e tive a intuição de que era um congresso da pequena burguesia brasileira. E me lembro que eu me pus em pé, e passei a olhar a conjuntura de lá. E, claro, não é o meu país, isso e aquilo, mas não consegui dar uma resposta a esta inquietude, de que não tinha operários.

Bom, no final do congresso, chega o Lula para encerrar o congresso. E começa com a seguinte anedota: que um metalúrgico que acompanhava Lula em aparições públicas informou ao Lula que ele se afastaria do PT. E começou a história do Lula, ele foi fazendo seu discurso com  “aí eu disse a ele…”, “aí ele me respondeu…”, uma história coloquial. E Lula disse “não, você não pode sair… o que que foi? Que aconteceu?”. E então, segundo Lula, o metalúrgico respondeu: “o partido da gente é um lugar em que a gente se entende, que está confortável… e, bom, eu não sinto isso no PT… durante todo o congresso eu não entendi nada dos debates”. Quando Lula disse isso eu percebi: era um congresso pequeno burguês, era o que eu tinha sentido. já era um partido monopolizado por “arribistas”, existe essa expressão [em português]? Bom, em espanhol é uma expressão para aquele que quer chegar lá em cima, quer subir. O “arribista” tem o único propóstio de subir [ao poder]. Pode ser lulista, pode estar com José Serra, não importa com quem, só pensa em qual o melhor espaço para subir.

E ainda tem auxílio. Como estava falando com Marta Suplicy e ela me informou que os parlamentares ganham um adicional, um adicional para o paletó. Eu disse para Marta [Suplicy]: vocês estão doidos? Com aquele salário que tem não dá pra comprar um paletó? E ela começou a defender energicamente a importância que isso tinha para, por exemplo, um deputado que vem do Maranhão… Não dava para acreditar! Se formou uma estrutura de “arribismo”.

O senhor já participou de várias eleições, e já foi legislador por Buenos Aires. Como revolucionário, o senhor acredita na participação parlamentar, num “parlamentarismo”?

J. A.: Bom, o parlamentarismo para um partido revolucionário é maravilhoso. Só para um partido revolucionário. Porque você ingressa num parlamento e você tem um embate político cotidiano, com os representantes mais importantes da burguesia. E aí tem o “braço de ferro”. A esquerda sucumbe no parlamento. Eles vêm de Harvard, daqui e de lá e sucumbem.

Mas, durante quatro anos, eu demonstrei que era possível defender um programa revolucionário no parlamento, chamar a atenção para o fato, mostrar para a audiência, que ele [o parlamento] não tinha resposta a nada.

Para concluir: no final dessa minha legislatura houve um último debate sobre um problema que ninguém podia resolver. Quer dizer, era um problema que tinha sido debatido nas comissões do parlamento, etc. e que não se conseguia resolver. Quando isso acontece, o caso tem que ir diretamente à reunião geral do parlamento.

E [o problema] não tinha saída. Até que a presidente da casa deu a palavra ao deputado Altamira e eu disse exatamente o que pensava do assunto e como pensava em votar. E todo o parlamento acompanhou meu voto.

Mas há algo mais importante sobre isso. Que foi como ocorreu minha última sessão. A direita pediu a palavra, mesmo que já tivesse falado, mas pediu uma licença para falar, uma exceção porque era importante o que ia falar. E era só para falar do Altamira.

A declaração foi a seguinte: durante quatro anos o deputado Altamira desenvolveu uma ação subversiva nas instituições do Estado. Sistemática. Que queremos fazer constar nas atas do parlamento que ele se diferencia do MCT e do Partido Comunista, que têm colaborado sistematicamente com a gente em situações difíceis. Com essa declaração, tenho toda a resposta. Outros deputados me perguntaram se eu não ia pedir direito à réplica. E eu disse: “eu não! Eu quero ir embora desse parlamento com isso! Não quero acrescentar nada”. Esse é um ponto final incrível.

JORGE ALTAMIRA: A EUROPA ESTÁ SE LATINOAMERICANIZANDO, pelo viés de Bibiano Girard, João Victor Moura, Nathália Costa e Tiago Miotto e do colaborador Iuri Müller.
bibianogirard@revistaovies.com
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